Reengenharia no Recrutamento, precisa-se!

A escassez e retenção de talento e os processos de transformação digital vieram acelerar uma mudança nas práticas tradicionais de recrutamento. Desafios que exigem por parte das empresas uma reflexão sobre os modelos de negócio e uma oportunidade para repensar e reformular os processos de recrutamento. Uma reengenharia necessária, acelerada pela pandemia COVID-19.

Nos últimos meses, em todo o mundo, tem-se assistido a um aumento da procura de recursos, o que obriga a uma maior precisão na seleção e recrutamento. A competição entre as organizações é feroz, pois a escassez de talento é uma realidade que está para ficar como uma das tendências de 2022 ― fruto da automação e digitalização das empresas, do contraste entre as competências dos trabalhadores e as exigências da função, da vontade de um maior equilíbrio pessoal e profissional, entre outras razões.

A pandemia COVID-19 veio estimular uma mudança de paradigma das estratégias de recrutamento e atração de talento, confirmando a sua obsolescência. Um estudo recente da Gartner revela três tendências que revelam a pouca aplicabilidade dos modelos de recrutamento convencionais.

Incerteza sobre as competências de reengenharia

A primeira tendência prende-se com a incerteza de quais as competências e habilitações necessárias nos empregos atuais e futuros. Um inquérito de 2019 realizado a 3500 diretores concluiu que apenas 29% das novas contratações têm todas as competências necessárias para fazer face à função a desempenhar.

Conclusão impactada pelos modelos híbridos de trabalho e de uma maior automação das tarefas que trouxe clivagens e disrupções tecnológicas evidentes dentro das organizações. Num artigo de Alain Dehaze, CEO da empresa de recrutamento ADECCO, confirma que a transformação digital e os modelos de trabalho híbrido vão continuar a mudar as empresas, acrescentando que esta tendência impacta, como já mencionado, a validade e adaptação das competências para as funções a médio e longo prazo, e afeta a cultura da organização ― desde o modelo de liderança, de recrutamento, o onboarding, entre outros elementos.

Os diretores de recursos humanos desempenham um papel crucial para a definição de uma estratégia do futuro do trabalho, o que, atualmente, parece não existir na opinião de 68% dos responsáveis. Os recursos da empresa e o talento a atrair, aguardam e esperam respostas sobre que skills precisam para se manterem empregáveis, ativos e valorizados pelas empresas. É necessário investimento não só na captação do talento certo, como uma estratégia de retenção com um desenvolvimento adequado de carreira.

Já o relatório The Future of Jobs Report 2020 desenvolvido pelo World Economic Forum realça a urgência em identificar que funções vão desaparecer e quais as que vão emergir, bem como quais as skills relevantes e necessárias para enfrentar esta mudança, protegendo sempre um dos assets para qualquer empresa ou país – o capital humano.  Este estudo, que já vai na sua terceira edição, é responsável por estudar a conjuntura do mundo do trabalho, mapeando os empregos e competências do futuro, sentindo o ritmo de mudança no trabalho baseado em inquéritos aos líderes de negócio e estrategas de recursos humanos a uma escala global.

A questão revelante para os negócios, governos e indivíduos é em que circunstâncias o mercado de trabalho global pode ser suportado pelo novo equilíbrio no split de tarefas entre os recursos humanos, robots e algoritmos. As disrupções tecnológicas já evidenciadas e previstas, foram amplificadas e aceleradas pela crise pandémica que vivemos.

A automação de postos de trabalho

Uma das revelações do estudo é de que a automatização de alguns postos de trabalho está a acontecer de uma forma mais rápida do que o esperado, sendo expectável que daqui a 5 anos, 85 milhões de empregos se alterem como resultado da divisão, de uma forma equitativa, das tarefas entre força humana e a inteligência das máquinas. A integração tecnológica tem impactos diferentes nas decisões: 43% dos entrevistados pretendem reduzir os recursos; 41% planeiam recorrer ao outsourcing para tarefas especializadas e 34% pretendem expandir os recursos humanos.

Se, por um lado, vivemos a partilha de tarefas com máquinas, a revolução da robótica traz uma boa notícia: a criação de 97 milhões de empregos do futuro em comparação com o número de empregos a desaparecer. Contudo, a criação de emprego será lenta enquanto o fim de algumas funções será célere.

A literacia digital e valências críticas na área tecnológica serão críticas para a emergência da transformação, contudo apesar da automação e dos robots serem melhores que os humanos na rapidez de cálculo e no diagnóstico, será sempre crucial ter uma mão humana para contribuir para a componente subjetiva e analítica dos dados bem como desafiar a criatividade e manter um espírito empreendedor e de permanente vontade de inovar.

Desta economia social e verde emergem funções de vanguarda nas áreas de big data, data analytics, inteligência artificial, encriptação e segurança, cloud computing e criação de conteúdo. Paradoxalmente, a tecnologia num estado de economia social sinaliza a importância da interação e da capacidade de agregação e interação com outras culturas. Na verdade, a inteligência emocional e social são características humanas únicas, qualidades essenciais, por exemplo na área da saúde.

As competências futuras

Estas novas funções alinham com o top de competências que serão predominantes em 2025. Capacidade analítica, criatividade, flexibilidade, espírito crítico, gestão de conflitos integram algumas das características mais procuradas. Em virtude do trabalho remoto e de uma crescente autonomia por parte dos recursos, a iniciativa de aprendizagem, da sede de saber e o desenvolvimento pessoal são competências que saíram reforçadas deste período pandémico bem como a resiliência e flexibilidade.

Novas funções, novas competências, novos desafios exigem que as empresas mais competitivas apostem no reskilling dos seus recursos. É esperado que, nos próximos cinco anos, os trabalhadores que se mantenham nas suas funções, quase metade precisem de um reskilling para cumprir o core da sua função. Em média, 40% dos recursos irão necessitar de um reskilling de 6 meses ou menos.

Um artigo da consultora Mckinsey intitulado «Defining the skills citizens will need in the future world of work», baseado num inquérito a 18.000 pessoas de 15 países, revela que «neste mercado de trabalho cada vez mais automatizado, digital e dinâmico, todos os cidadãos que adicionarem valor além do que pode ser realizado por máquinas, souberem trabalhar em ambiente digital e remoto e tiverem a capacidade de se adaptar continuamente a novas formas de trabalho e a novas tarefas, conseguirão ser bem sucedidos independentemente do sector em que trabalham ou da ocupação».

A recessão provocada pela pandemia, a predominância tecnológica e consequente digitalização veio por a nu a falta de equidade e preparação dos recursos menos qualificados. No relatório do World Economic Forum sai reforçado o papel do setor público na requalificação e qualificação dos trabalhadores mais fragilizados, com incentivos claros nos períodos de transição, sistemas de educação e formação.

Apesar de todos estes desafios, neste estudo conduzido por este organismo internacional, líderes reconhecem que é crucial o investimento e aposta no desenvolvimento do capital humano ― em média, cerca de 66% dos responsáveis esperam obter o retorno do investimento em upskilling e reskilling num ano. Investimento que se reflete também na adoção de métricas de ambiente, social e de governança empresarial (ESG – Environmental, Social, Governance) que trarão dividendos a longo prazo.

Com uma visão cuidada e envolvendo a organização como um todo nesta transformação transversal, acredita-se que esta fomentará o aumento da produtividade, impulsionará um maior equilíbrio pessoal e profissional e favorecerá a atração de talento (até inesperado) e a descoberta dos perfis adequados aos novos e futuros desafios.

Candidatos de Recrutamento altamente talentosos

A descoberta desta pool de candidatos altamente talentosos nem sempre surgirá nos clusters tradicionais como as universidades. Esta segunda tendência revela um esforço e vontade das pessoas em adquirir informalmente uma aprendizagem mais técnica e em competências-chave fora do seu local de trabalho. O modelo híbrido de trabalho e os sucessivos lay-offs motivaram este comportamento e desenvolveram uma maior autonomia, estando em linha com o vislumbrado pelo estudo «The Future of Jobs Report 2020».

Com a pandemia, a relação entre as empresas e os seus trabalhadores vive uma transformação radical um pouco por todo o mundo. Talvez, por isso, espera-se que a retenção de talento seja um desafio presente e crescente. Os candidatos e os recursos são criteriosos, seletivos na escolha da empresa para trabalhar ou para permanecer. A proposta de valor para o trabalhador (employee value proposition) emerge como terceira tendência. Não falamos de um reforço do salário ou das oportunidades de crescimento de carreira, os candidatos valorizam a reputação, a proximidade da família e o significado e impacto do seu trabalho.

Estes critérios e fatores saíram reforçados pela pandemia, que musculou os recursos com maior liberdade e autonomia.

Segundo o relatório do World Economic Forum, o trabalho remoto veio para ficar. Cerca de 84% dos empregadores estão prontos para digitalizar rapidamente os processos de trabalho, e 44% refere que tem potencial para mover os recursos para trabalhar remotamente.

Este modelo remoto que privilegia um maior equilíbrio pessoal e profissional, suscita preocupações do impacto negativo na produtividade e no bem-estar. É importante que a digitalização também abra espaço para criar o sentido de comunidade e de pertença. Apesar de 78% dos líderes temerem este modelo, a pandemia abriu caminho para esta possibilidade, foi uma realidade e será algo esperado no futuro.

A Gartner lança duas sugestões às empresas para enfrentar os desafios de recrutamento da caça ao talento:

  1. Apostar no recrutamento baseado no potencial, e não na experiência. A pergunta que se coloca é quais as competências que são necessárias para ser bem-sucedido no futuro? O que precisamos? É importante perceber os gaps de talento existentes na organização.

Nesse sentido, surgem outros desafios: é importante redesenhar novos modelos de assessment para identificar o potencial dos candidatos. A ênfase na curiosidade, no pensamento crítico em detrimento do rol de graus académicos. Num artigo da Harvard Business Review, assinado por Alex Haimann, partner da empresa Less Annoying CRM, este afirma que os negócios não podem continuar a pagar por más escolhas e entrevistas de recrutamento baseadas em perguntas obsoletas tais como «quais as suas forças e fraquezas?», por exemplo. Reitera que é importante desenhar um processo de entrevista que avalie com credibilidade as skills do candidato, a sua aptidão e sobretudo, o seu potencial de integração com a cultura da empresa.

Tudo isto implica desenhar um mais eficaz processo de recrutamento incluindo questões que avaliem o grau de preparação do candidato para a entrevista, o seu espírito crítico e criativo passando por avaliar as suas capacidades colaborativas, seguido da clareza na expressão oral e escrita até à exposição a jogos com eventuais colegas da empresa para analisar a interação, compromisso e curiosidade.

  1. Trabalhar a perceção e opinião dos candidatos sobre as organizações. Estas precisam de compreender que estes candidatos potenciais estão mais atentos, mais informados e escrutinam as organizações antes de um primeiro contacto. Como resultado da pandemia, muitos candidatos procuram obter informações sobre como as organizações responderam à pandemia, como apoiaram os colaboradores, entre outras questões.

Num inquérito realizado a 2800 candidatos a oportunidades de emprego, 65% confessaram terem hesitado e até desistido do processo de candidatura quando se depararam com alguns factos sobre determinadas empresas, que consideraram pouco atrativas e desanimadoras.

O mundo mudou. Exige-se «empatia colaborativa» entre talento (recursos) e organizações.

Para as organizações é necessário perceber que é urgente uma estratégia. O trabalho, como o conhecemos, mudou. Precisam de priorizar as oportunidades, o investimento na carreira dos seus recursos através da qualificação e requalificação, permitindo modelos de trabalho mais flexíveis.

Para o talento ganha força o sentido, o propósito do trabalho. Os recursos são mais exigentes com as organizações e ganharam um maior poder e ascendência sobre como tirar partido do seu potencial.

Exige-se um mindset que privilegia a agilidade e precisão. Agilidade na digitalização, na transformação digital. Precisão na gestão de dados para uma visão de excelência na tomada de decisão informada (racional).

Agilidade e precisão definem o sucesso e vantagem competitiva na reengenharia do processo de recrutamento de talento.

by Célia Barata – RegTech & HR Business Manager @Uniksystem

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